era uma vez um menino
tão tão pequenino assim
do tamanho de um seixo rolado
calhava também parecer desmesurado
quando refletido pela lua
nas noites em que
cheia
varre a superfície do mar e
incendeia de desejo as ondas
amansando-as
era uma vez um menino
tão tão difícil de encontrar
adormecido nos ramos de uma árvore
posto em sossego
à espera do toque do vento para
ser levado em braços
numa viagem
cantada
sobre campos e cursos de água
pontuados por rebanhos de ovelhas e
vacas pacientes
a ruminar
iludidas
as próprias vidas
era uma vez um menino
tão tão feito de silêncio
que ainda que o mundo
se entendesse por inteiro
em murmúrio
seria impossível discernir a sua voz miúda
ou surpreender o seu andar de
aprendiz de anjo
que pisa
sem pisar
só
talvez
de olhos fechadose pensamento calado
embriagado nos afetos passados e presentes
ou imerso no limiar
fantástico
que decide as gargalhadas
de luz de um menino
pequenino
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Texto e ilustração de Gisela Miravent, Paço de Arcos, 27 de janeiro de 2022
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